UMA VOLTINHA PELA BAIXA
23 Julho 2014
que mostrei, no Domingo, na esplanada do Café Samambaia, em Coimbra, e a Olinda Rafael comentou:
- Que lindo! Onde é? Croácia? Itália?
- Não! É na Ferreira Borges, na loja…
- Vê lá tu: passamos por estas belezas todos os dias e já nem as vemos!…
Saímos de Aveiro para uma manhã na Cidade onde o Alfredo nasceu, foi baptizado e criado, onde nos conhecemos e casámos.
Estacionámos no Arnado e caminhámos para a Rua da Sofia (Património da Humanidade da UNESCO desde 2013) . Construída na primeira metade do século XVI, tem edifícios Renascentistas que vale a pena olhar com cuidado. Era a zona onde se localizavam os Colégios Universitários, o berço da Universidade. Comprida e bem larga para a época da construção, começa no Mosteiro de Santa Cruz e termina na Ladeira de Santa Cruz.
Logo ali, a Igreja do Colégio da Graça,
fundado por D. João III, em 1543. Pertencia à Ordem dos Eremitas Calçados de Santo Agostinho e um dos primeiros exemplos do estilo Renascença em Coimbra.
As ruas ainda estão enfeitadas, depois das recentes Festas da Cidade.
Ao fundo já se vê a fachada da Câmara Municipal.
A Praça 8 de Maio está completamente renovada.
O Mosteiro foi fundado no local onde existiam os "banhos régios", ainda fora dos muros defensivos da cidade ( o rio Mondego era a fronteira com as terras islâmicas), por D. Telo, arcediago da Sé de Coimbra, D. João Peculiar e D. Teotónio. D. Teotónio foi o primeiro prior do Mosteiro que pertencia aos Cónegos Regulares de Santo Agostinho e à Congregação de Santa Cruz de Coimbra. Teve o apoio de D. Afonso Henriques e seu filho D. Sancho I que nele estão sepultados.
Primitivamente Românico, sofreu intervenções artísticas posteriores, nomeadamente na época manuelina.
A sua Escola foi uma das melhores instituições de ensino na época medieval e um seu mais famoso estudante foi Fernando Martins de Bulhões, o futuro Santo António (de Lisboa e de Pádua…) que decidiu ser missionário quando em 1220 assistiu à chegada dos restos mortais de cinco frades franciscanos martirizados em Marrocos. Também é possível que Luís de Camões aqui tenha estudado já que um parente seu, D. Bento de Camões, foi prior do Mosteiro à época.
As duas torres laterais
com pináculos e a platibanda decorativa são da época Manuelina (1507-1513). O Portal cenográfico, hoje infelizmente muito erodido (a lepra da pedra de Ançã),
é obra de Diogo Castilho e do francês Nicolau Chanterenne. Decorria uma missa e, por isso, adiámos visita mais pormenorizada para outra altura. No entanto, deu para ver a nave única,
vislumbrar o coro alto de João de Ruão,
a capela-mor com abóbada Manuelina de Diogo Boitaca e Marco Pires.
E não pude resistir a fotografar o belíssimo órgão, Barroco,
obra do espanhol Gómez Herrera. Em 2003, foi reconhecido o estatuto de Panteão Nacional a esta extraordinária Igreja.
A partir da Praça 8 de Maio, a "baixinha" convida o passeio, nas suas ruas estreitas com algum comércio, ainda.
Toda a zona é pedonal, com os toldos das lojas a tocarem-se. Recordamos lojas mais antigas e algumas familiares.
E desembocámos na Praça do Comércio ou Praça Velha,
junto da Igreja de São Tiago,
Românica, do século XII, altura em que acolhia os peregrinos que se dirigiam ao Santuário de Santiago de Compostela.Sobressaem o óculo e o portal com colunas
e capitéis decorados, onde não faltam as conchas que identificam o Santo.
Entrando pela bela porta lateral, junto às escadas de São Tiago, também belamente decorada, encontramos um retábulo Rococó de Coimbra ,
na capela-mor, o portal Gótico da capela
que se abre no tramo médio da nave lateral e a imagem do Santo.
A Praça Velha, antiga Praça de São Bartolomeu,
cuja igreja se encontra no outro topo, tem também o nome de Praça do Comércio devido à sua função principal desde a Idade Média. Os edifícios fazem lembrar as praças italianas construídas onde existiram as arenas romanas. De frente para a Igreja de São Bartolomeu, à direita, o que resta do Hospital medieval.
A Igreja de São Bartolomeu
foi construída em 1756 sobre um templo medieval.
No interior, retábulo de talha dourada
e uma tela representando o Martírio de São Lourenço, do pintor Pascoal Parente.
A fachada principal é ladeada por duas torres sineiras.
Em frente, o Pelourinho de Coimbra,
recentemente recolocado no seu local primitivo de onde havia sido retirado em 1610. É uma coluna lisa sobre três degraus com quatro ganchos de ferro em cruz junto do capitel onde uma esfera armilar é coroada por uma cruz de Cristo.
Os nomes das ruas lembram tempos antigos. Pelo Beco dos Prazeres
chegámos ao Largo do Romal,
que nos surpreendeu, recuperado, onde ressalta um pequeno edifício de planta rectangular,
de dois pisos e quatro águas, com um painel de azulejos do século XVIII representando Nossa Senhora da Conceição.
Em frente, uma loja de antiguidades.
Travessa do Gatos,
Rua do Sargento Mor, uma ainda intacta Casa medieval e aparece-nos a interessante fachada do Hotel Astória .
O edifício foi construído entre 1915 e 1919 por uma companhia de seguros que ali funcionou até 1925. Foi então arrendado pelo empresário Alexandre de Almeida que concluiu a construção e o adaptou, tendo o hotel sido inaugurado em 1926.
O Largo da Portagem
mantém a sua beleza de sala de visitas da cidade, com vários edifícios interessantes onde ressalta o do Banco de Portugal,
de planta rectangular, com fachadas de dois e três registos, do século XX. No centro, a estátua de Joaquim António de Aguiar, o "Mata-frades",
em bronze, do escultor conimbricence Costa Mota. Ganhou o cognome por causa do seu exercício de Ministro da Justiça sob a regência de D. Pedro, tendo promulgado a célebre Lei de 30 de Maio de 1834 pela qual se extinguiam todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares e secularizando os seus bens, incorporando-os na Fazenda Nacional.
Descemos as escadinhas de São Bartolomeu e almoçámos muito bem no Restaurante Aeminium.
Depois do almoço, percorremos a pedonal
Rua Ferreira Borges.
Logo ali, ainda no Largo da Portagem , o interessante edifício com o formato de ferro de engomar,
o Flatiron de Coimbra.
O pequeno Fernandito Meireles encantava os turistas e os locais,
com o seu violino, acompanhando o pai, cheio de ritmo e manifestações de carinho que nos obrigam a parar, fotografar, filmar.
Também os estudantes de capa e batina, espalham o fado e deixam-se fotografar com os estrangeiros. Ao fundo, em ladeira bem acentuada que leva à traseira do Mosteiro de Santa Cruz, outro edifício fora do normal.
O Edifício Chiado fica antes, em frente às escadas de São Bartolomeu.
Inaugurado em 1910 como o maior espaço de comércio da cidade, em 1949 aqui esteve sediada uma empresa de têxteis e em 1978, um espaço bancário. Desde 1980, a Câmara comprou-o e transformou-o em espaço cultural.
Fachadas,
pormenores
nesta e também na Rua Visconde da Luz, que toma este nome a partir das escadas de Santiago.
arco que é a estrutura mais bem conservada da antiga muralha. Corresponde à porta principal da cidade no período islâmico. Sobre o arco, a escultura de Nossa Senhora e o brasão nacional.
Acima, o Arco e Torre de Almedina,
do século XI, das muralhas medievais (almedina=cidade). Apresenta características das arquitecturas Romana, Muçulmana, Gótica e Manuelina. Aqui, em praça pequena a escultura Guitarra de Coimbra,
uma obra de Arte do artista Celestino Alves André.
Sobre as nossas cabeças e nas janelas ainda os enfeites das recentes festas da cidade.
Não continuámos para a Alta. Ficará para outra visita. Voltámos ao Largo da Portagem e subimos a inclinada Rua da Alegria, ao lado de restos da muralha antiga, seguimos até à Couraça de Lisboa, para melhor apreciar o edifício do Antigo Governo Civil do Distrito de Coimbra
que já se adivinhava a partir do Largo da Portagem. É também conhecido como Casa Doutor Ângelo da Fonseca
e foi construído sobre a base da antiga torre de Belouce que fazia parte da muralha coimbrã.
Daqui tem-se uma magnífica paisagem sobre o rio Mondego,
as pontes e, do lado de lá Santa Clara-a-Velha, Santa Clara-a Nova, o Convento de São Francisco e o novo e polémico Centro de Cultura e Congressos.
Continuando, a porta Manuelina
da Junta de Freguesia de Almedina,
o descalabro do cinema Sousa Bastos em ruínas,
o mal tratado original edifício A Nau,
ocupado pela Real Repúblika do Prákistão.
As repúblicas de estudantes de Coimbra são emblemáticas na cidade, mas o Governo, a municipalidade, a universidade e os senhorios não se entendem para o seu aproveitamento e conservação.
À frente, os Paços da Repúblika dos Kágados não está em melhor estado.
Chegámos à Praça da Sé Velha, mas ignorámo-la propositadamente, para uma próxima voltinha.
Descemos e seguimos a indicação de
Palácio de Sub-Ripas e Torre de Anto.
O Paço ou Casa de Sub-Ripas, assim chamado por causa do antigo nome da rua onde se encontra (Rua de Sobre-a-Ripa), é o mais belo edifício da cidade. Do século XVI, foi construído sobre a parede da muralha, englobando uma das torres.
A Casa de Baixo é mais antiga,
Manuelina e foi dada a João Vaz em 1514. Estendendo-se ao lado oposto por um arco passadiço em 1542-1547, a Casa de Cima é Renascentista. A fachada principal tem um portal pequeno
mas belamente decorado com torcidos, nós, correntes em anéis e cruz de troncos muito corroída, muito ao estilo Manuelino. Vários baixo-relevos com bustos de guerreiros, damas,
fidalgos,
figuras míticas e bíblicas de João de Ruão, cuja oficina estava perto, na Rua do Colégio Novo. A parte de baixo pertence aoInstituto de Arqueologia da Faculdade de Letras de Coimbra e a de cima, com belas janelas rendadas, é propriedade privada.
Atravessando o arco,
subindo, logo se vê a Torre de Anto,
assim chamada por António Nobre, o grande poeta do "Só" que nela morou (1867-1900). Fazia parte da antiga muralha medieval, tinha o nome de
Torre Prior do Ameal
e foi transformada em habitação no século XVI. De planta quadrangular, tem quatro pisos ligados por escada em caracol e telhado de quatro águas.
Voltámos às Escadas de Quebra-Costas,
fazendo o percurso em sentido contrário e descemos.
Esta zona é, agora, bastante turística, por causa dos seus bares e porque une a Baixa com a Alta, onde está a Universidade e a Sé Velha, a Catedral de Coimbra.
E mais uma escultura de Celestino Alves André, a Tricana,
figura emblemática da cidade do século XIX, patente na quadra do Vira de Coimbra:
Coimbra p´ra ser Coimbra
Três coisa há-de contar:
Guitarras, tricanas lindas
Capas negras a adejar.
As escadas do Quebra-costas acabam no Arco do Almedina que nos levou, de novo à Rua Ferreira Borges, para irmos embora.
Mas, antes, e para terminar, passámos em frente de Santa Cruz,
contornámos a Câmara
e fomos ao Jardim ou Claustro da Manga.
Renascença, do século XVI, simboliza a Fonte da Vida Eterna com Deus, baseada nos frescos renascentistas italianos.Situava-se ao centro de um dos claustros do Mosteiro de Santa Cruz. O arquitecto foi João de Ruão, por ordem de Frei Brás de Braga, homem muito culto da época. Perco-me na sua descrição, pelo interessante simbolismo.
Ao centro, o templete circular
que simboliza a eternidade e o próprio Deus Perfeito e Eterno, com cúpula apoiada em 8 colunas (número simbólico da Ressurreição, pois que 8 foram os dias entre a entrada em Jerusalém e a Ressurreição).
As 4 pequenas capelas circulares
aludem aos 4 Evangelhos e cada uma é dedicada a um eremita:
São João Baptista, Santo Antão, São Paulo-o-Eremita e São Jerónimo. As escadas de acesso ao templete
As gárgulas são as forças do Mal.
O cão, a Fidelidade, o papagaio, a Eloquência.
Todo o conjunto desenha uma cruz a que se sobrepõe outra em X, cujos braços conduzem às capelas. A cruz grande simboliza Cristo e o seu Martírio. A outra, a Humildade no Sofrimento e refere-se ao Martírio de Santo André.
Terminámos na sala de Exposições da Câmara, onde estava uma exposição sobre Varela Pécurto,
bem conhecido da cidade e que a fotografou como ninguém.
Prometemos outro passeio, um dia destes.